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"É hoje!": estudando Lan

Atualizado: 21 de abr.

"É Hoje:as escolas de Lan!" é um livro (edição cuidadosa da Irmãos Vitale) publicado em 1978, com formato e dimensões semelhantes a de um LP (um quadrado de cerca de 30cm de lado), capa dura, guarda ilustrada e um miolo de cerca de 80 páginas (sem numeração) em papel que calculo ser um offset de pelo menos 150g, o que lhe confere uma generosa lombada de 2,5cm. Uma capa sofisticadíssima, toda preta, com o título e créditos impressos em letras prateadas e o desenho da folha de rosto em relevo, sugerem que o livro talvez tenha recebido uma sobrecapa, embora tenha chegado às minhas mãos sem ela. Os sebos virtuais (para quem se interessar, está sendo vendido a cerca de 70 reais e eu garanto que vale cada centavo) indicam o peso de quase dois quilos, mas seu peso simbólico, acreditem, é muito maior. Simplesmente porque o cartunista Lanfranco Rossetti Vaselly Rossi-Rossi, o mais carioca dos estrangeiros que já pisaram essas terras, é um dos mais proeminentes nomes de sua geração no contexto da produção caricatural do Brasil. Na apresentação do artista publicada no livro, que Sérgio Porto, então já falecido, havia escrito anos antes, o jornalista se pergunta se ele próprio, Vinícius de Moraes, Lúcio Rangel, Di Cavalcanti, Millôr Fernandes ou Haroldo Barbosa, todos nascidos no Rio, seriam tão cariocas quanto Lan, nascido na clássica Firenze, berço da Renascença Italiana.


Lan debutou na imprensa uruguaia em 1947, quando começou a publicar seus desenhos no jornal El país. Chegou ao Brasil em 1952, quando começa a trabalhar no jornal "A Última Hora", uma nova empreitada de Samuel Wainer, que contava com nomes da estirpe de Vinícius de Moraes, João Cabral de Melo Neto, Otto Lara Resende, Nelson Rodrigues, e seu primo Augusto, colega de prancheta de Lan. Foi lá que elaborou a caricatura de Carlos Lacerda personificado na figura de um corvo, que rendeu o apelido ao polêmico personagem político. Mas a relação de Lan com o Rio de Janeiro começou antes mesmo que ele aportasse por aqui. E começou quando ele era um menino, em Montevideo, e era ouvinte assíduo de um programa de rádio chamado "ritmos cariocas", que na época era essencialmente o samba. Quando chegou ao Rio, foi à Mangueira para conhecer o Cartola, de quem já ouvira as músicas.

Mas o livro "É Hoje!". conta o próprio Lan, nascera em Paris, em 1966, quando Vinícius de Moraes enviou a Tom, o que ele chama de carta oral (ele não explica, mas imagino que tenha enviado uma fita K-7 por algum portador), onde afirmava que "a saudade do Brasil, quando se vive no exterior, se sente mais em forma de samba tradicional do que no estilo 'Bossa nova'. Nada mais certo", concordava Lan. E, falando em Vinícius de Moraes, é ele quem apresenta Haroldo Costa, autor do texto do livro, que conheceu em Paris, em 1954. No texto que o poetinha intitula "Meu orfeu negro", lembra que este fora o primeiro nome que havia lhe passado pela cabeça para o papel-título, quando conseguiu financiamento para a montagem de seu famoso espetáculo, musicado por Tom Jobim e com cenário de Oscar Niemeyer, contava ainda com Cyro Monteiro no elenco, vivendo o pai de Orfeu. Para Vinícius, Haroldo Costa aliava ao physique du rôle um grande refinamento natural, que o levou a trabalhar sua personagem num sentido mais poético, como queríamos: um deus ndo morro, que com seu violão e seus sambas, dilacerava o coração de todas as mulheres, acabando por atrair sobre si a tragédia e a morte".


Mas vamos ao livro. Dedicado às escolas, o livro tem indiscutivelmente um caráter artístico, pelo projeto gráfico que privilegia os belíssimos desenhos à grafite ou lápis de cor, deixando um espaço mais limitado ao texto, em tipografia de corpo e entrelinha maiores que as usadas em livros de caráter mais literário. Á primeira vista parece que é o texto que orna a ilustração, quase dispensável, se não trouxessem importantes informações que complementam a experiência visual oferecida pelas ilustrações de Lan. As dimensões generosas da página nos permitem acompanhar a elegância estilizada no traço de Lan, seu tratamento de sombras e texturas. Um efeito que ele atinge com maestria, deitando o lápis, de modo a deslizar toda a ponta sobre o papel sem deixar vestígios dos caminhos de seu traço. E explora também os grandes contrastes, por vezes, valorizando esse efeito do sombreado da pele com grandes áreas em branco no chapéus e nas roupas, delimitados apenas por traços. (continua depois das ilustrações).

Ala das baianas, desenho que Lan vendeu para pagar sua passagem de volta ao Rio, quando estava em Paris.
Ala das baianas, desenho que Lan vendeu para pagar sua passagem de volta ao Rio, quando estava em Paris.
Pandeiro, de Lan.
Pandeiro, de Lan.
A bateria, desenho de Lan
A bateria, desenho de Lan
Desfile da bateria, desenho de Lan.
Desfile da bateria, desenho de Lan.

Quanto ao conteúdo, ele acaba ganhando um caráter mais didático, o que serve a todos aqueles menos familiarizados com o universo do samba e das escolas. Apresenta algumas características do samba de partido alto, samba de terreiro e os bailes, explica o que é o enredo, o grito de carnaval, o ensaio e apresenta os instrumentos da bateria. Em seguida, apresenta as alas de uma escola e as figuras do samba, dividida por escolas, entre compositores, intérpretes e mestres-salas. Dá maior evidência aos bambas da Mangueira, Portela, Império e Salgueiro, reunindo os outros na categoria "tem mais escolas", onde lembra de Elton Medeiros, ligado a Unidos de Lucas, Martinho da Vila (Isabel) e o carnavalesco Joãozinho Trinta, já então na Beija-Flor.

É impossível observar o traço de Lan sem querer estudá-lo, refazê-lo, no esforço de tentar entender a expressão pela qual ele vê o mundo e eu mesmo já fiz isso inúmeras vezes. Incluindo os desenhos deste mesmo livro, que ganhei de uma grande amiga de minha mãe, Eunice Carneiro, que trabalhou por anos no Museu Nacional de Belas Artes. Depois que ela ficou viúva, me presenteou com essa valiosa lembrança, um livro que ela havia dado para ele. Nas páginas iniciais, uma dedicatória dela ao marido, Sannin Cherques, um queridíssimo amigo cineasta que faz muita falta a todos que conviveram com ele.

Nos estudos que apresento aqui, eu procurei ser fiel à composição, às poses e descrições físicas dos personagens, mas tomei cuidado para manter meu traço para não correr o risco de virar apenas uma cópia, sem acrescentar nada que seja meu. Mas também senti necessidade de caminhar por um traço mais caricato do que eu costumo fazer quando me baseio em fotografias. Decidi, por enquanto, focar apenas nas apresentações dos instrumentos, para não me alongar e poder degustar o livro sem pressa. Se para o livro, Lan fez quase todos os desenhos à grafite e lápis de cor, que permitiam melhor expressar a suavidade dos gestos e poses, eu optei por um lápis de cor em escalas de cinza sobre um papel de alta gramatura, próprio à aquarela, para que o lápis evidenciasse sua textura. São estudos rápidos, mas atentos, fiéis apenas nas descrições gerais, mas procurando manter a minha caligrafia do traço.

Minha intenção aqui é tão somente estudar a composição do mestre, e prestar uma singela homenagem, (ou pedir a benção) para aquele que talvez mais tenha associado seu trabalho ao samba na história da ilustração brasileira. O mais carioca dos ítalo-uruguaios, que tanto admiro e com quem pude conversar por telefone, quando ele me cedeu generosos minutos de seu tempo para falar de seu colega Lorenzo Molas para a minha dissertação de mestrado. Infelizmente, nunca o vi pessoalmente, mas sempre o tive de perto, através de seu traço tão belo quanto inconfundível. Deixo-os com meus rabiscos em homenagem ao mestre.

                       

Desenhos com lápis de cor em escalas de cinza, procurando expressar no meu traço os movimentos dos traços de Lan. Daqui para adiante, meus desenhos. O termo d'aprés é utilizado quando fazemos referências a outros desenhos de outros autores, como é o caso. Significa "depois de".
Desenhos com lápis de cor em escalas de cinza, procurando expressar no meu traço os movimentos dos traços de Lan. Daqui para adiante, meus desenhos. O termo d'aprés é utilizado quando fazemos referências a outros desenhos de outros autores, como é o caso. Significa "depois de".
Repenique, d'aprés Lan
Repenique, d'aprés Lan
Frigideira, d'aprés Lan
Frigideira, d'aprés Lan
Reco-reco, d'aprés Lan
Reco-reco, d'aprés Lan
Prato e faca, d'aprés Lan
Prato e faca, d'aprés Lan
Cuíca, d'aprés Lan.
Cuíca, d'aprés Lan.
Surdo, d' aprés Lan.
Surdo, d' aprés Lan.
Tamborins, d'aprés Lan
Tamborins, d'aprés Lan

 
 
 

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