Arte das capas: as imagens da música
- Roberta De Freitas
- 30 de ago. de 2022
- 6 min de leitura
Capas de discos são um tesouro cultural, a expressão e a memória visual de músicas e ritmos. Através das capas, trazemos à mente a lembrança de músicas guardadas com carinho em nossa memória auditiva. É a mais perfeita conexão entre música e artes visuais. Capas envolvem diferentes formas de artes visuais, como a fotografia, a ilustração, a pintura ou colagens, tipografias e o design, em sua concepção geral, que orienta todo o projeto gráfico da obra, da embalagem, ao selo do vinil, ou ao CD, passando pelo encarte.
Mas esta arte das capas não surgiu como conhecemos hoje, junto com surgimento da indústria fonográfica. No livro "O design brasileiro antes do design" * (2005) há um texto saboroso e elucidativo sobre a história dessa arte no Brasil, escrito pelo designer Egeu Laus, ele próprio autor de mais de 200 capas em sua trajetória. Egeu puxa o fio da meada a partir da invenção do fonógrafo, em 1877, por ninguém menos que Thomas Edison (1847-1931), quando ele já desenvolvia outra invenção que iria contribuir mito para o progresso tecnológico da humanidade: o telégrafo. Graham Bell (1847-1922) poucos anos depois, aperfeiçoou a invenção de Edison, introduzindo agulhas flutuantes no processo de gravação e patenteou o invento com o nome de graphohone em 1886. Posteriormente, seria aperfeiçloado novamente por Emile Berlinder (1851-1929), da American Bell Telephone Company, que passaria a comercializar o produto a partir de 1888, com o nome de gramophone. Enquanto o fonógrafo de Edison usava cilindros, que vinham em embalagens igualmente cilíndricas, com a marca do fabricante, o de Berlinder usava chapas gravadas, que se tornaria populares com o nome de discos, que vinham inicialmente em envelopes pardos com um buraco no meio, para que se pudesse ler o selo do disco com as informações da música. Nos anos subsequentes, padronizou-se por muito tempo os discos com dez polegadas de diâmetro, para as músicas populares, e de 12 polegadas para a música erudita, que rodavam nos aparelhos a 78 rotações por minuto. Cada lado durava aproximadamente 5 minutos. Só em 1947, a Columbia lançaria os novos discos que giravam na rotação de 33 e 1/3, com o mesmo padrão de dez polegadas para música popular e doze para erudita. Era o long-play (longa duração, ou LP) que chegavam ao mercado.
E a música gravada chega ao Rio de Janeiro pelas mãos de Frederico Figner (1866-1947), que funda a Casa Edison em 1900 e realiza as primeiras duzentas gravações em 1902, Uma das primeiras seria justamente o lundu "Isto é bom" de Xisto Bahia, cantado por Manuel Pedro dos Santos. Em 1913, a Odeon dá início à sua produção, chegou a lançar hum milhão e meio de discos por ano. Em 1927, a Victor dava início a um sistema de gravações elétricas e marcaria os anos de ouro da música popular brasileira. Essas produções foram impulsionadas pela expansão das emissoras de rádio, transmitindo em ondas médias para todo o Brasil. Já em 1928, Francisco Alves gravou um total de 282 músicas. Mas nessa época, ainda não podemos falar em capas personalizadas para cada produção.
Mas ao longo desses primeiros 30 anos do século XX, as embalagens eram todas padronizadas, geralmente uma peça publicitária ilustrada dos fabricantes de discos na frente e propaganda de aparelhos no verso. Eram envelopes em papel pardo, gramatura fina, formato quadrado e abertura em um dos lados, para que se pudesse ler as informações no selo dos discos. Segundo Laus, as primeiras capas personalizadas só começariam a ser produzidas a partir do final da década de 1940. Primeiro, para o público infantil. Depois chega ao mercado voltado para o público adulto. Na maioria das vezes, "ilustrações incipientes com lettering desenhados à mão". Mas Laus destaca alguns trabalhos autorais mais expressivos realizados por ilustradores conhecidos como Lan, Nássara e Miécio Café. Essas primeiras capas eram dominadas por ilustrações em vez de fotos, ou as duas combinadas. Em 1954, o disco Canções praieiras de Dorival Caymmi trazia ilustração do próprio compositor baiano, em um traço que, a meu ver, lembra o de Carybé.
No início da década de 1960, Aloysio de Oliveira rompia com a Odeon, quando esta decidiu romper o contrato de vários artistas que, segundo eles, vendiam mal, entre eles toda a turma da Bossa Nova e fundou a sua própria gravadora. Chamava Elenco, e coube a César Villela, todo o projeto de identidade visual, associando o logotipo ao design das capas. Eram capas brancas com fotos dos artistas em alto-contraste, que se destacavam completamente das outras capas nas vitrines. O trabalho inovador de César Villela revolucionou o mercado fonográfico, que depois ganhou novos rumos com a tropicália, mas aí já começamos a fugir do samba.
Fazer essas releituras de capas foi um prazer pessoal a que fui me dedicando, levando em conta tanto minha memória afetiva com determinados discos, como a inspiração que a imagem da capa me proporcionava. Cada capa, uma história que tornaria essa postagem muito longa. Mas procurei fazer uma breve trajetória de nossa história musical desde os anos 1950 até 2022, dos LPs à imagem não de uma capa de disco, mas de uma música lançada nas plataformas de streaming, passando pelo CD (quando o designer viu seu espaço reduzir de 30cm para 12 cm de lado.
Segue ainda, um link para cada um dos discos aqui mencionados. Não se trata de uma seleção de "melhores discos", nem tampouco, dos que mais gosto, em termos musicais. Trata-se apenas de uma primeira leva entre algumas ilustrações que fiz e que apreciei o resultado. Aguns aqui são apenas estudos para futuras ilustrações mais bem acabadas. É uma brincadeira que não acaba aqui. Espero que seja tão divertido pra vcs quanto foi para mim. Segue a lista.
1, Cartola. Verde que te quero rosa (1977) https://open.spotify.com/album/4eg7RnkSQfHphqQKK6x0UT
2. Roberto Silva, Descendo o morro vol.1 (1958) https://open.spotify.com/album/6IZaj0HwbQdIZNXt6TZJWK
3. Roberto Silva, Descendo o morro vol.2 (1959) https://open.spotify.com/album/0b59Nlu3MBCgt3MWRvUwac
4. Roberto Silva, Descendo o morro vol.3 (1960) https://open.spotify.com/album/4QsXbHFqWlHnnkw7RhAvxL
5. Nara Leão. Nara. (1964) https://open.spotify.com/album/6GupTGdWq2CPBZTn28joxE
6. Conjunto A Voz do Morro. Roda de Samba. (1965) https://open.spotify.com/album/0DVqe5Mw4yw2EeawPWtIy4
7. Elis Regina. Samba eu canto assim. (1965). https://open.spotify.com/album/2lXaHnMqlKkXpcNurtYmkP
8. Martinho da Vila. Martinho da Vila (1969) https://open.spotify.com/album/2Xugmv53HU6CEYctemLlRt
9. Jorge Ben. Ben (1979) https://open.spotify.com/album/0LOy0Q27F8JLmTHVb8b51g
e Força Bruta (1970) https://open.spotify.com/album/12G0eYu3u8ZwdstT1flUXw
10. Monarco. Monarco (1976) https://www.youtube.com/watch?v=pkGI2x0n9WE
11. Clara Nunes. Brasil Mestiço (1980). https://open.spotify.com/album/3IByK5jqmLWKhrtjrb8xun
12. Beth Carvalho. Na Fonte (1981). https://open.spotify.com/album/259fyvO1fV5qouvomztgQh
13. Cristina Buarque e Mauro Duarte. Cristina e Mauro (1985). https://www.youtube.com/watch?v=2IOEF_vucg0
14. Teresa Cristina e o Grupo Semente. A vida me fez assim (2003) https://open.spotify.com/album/15Gl56sN9EL9KsfHcFzAWE
15. Chico Buarque. Que tal um samba? https://open.spotify.com/album/2CgrIxhrX1Ee0Kvgn28F5j
Referência bibliográfica:
* LAUS, Egeu. Capas de discos: os primeiros anos. in: CARDOSO, Rafael (org.). O design brasileiro antes do design. São Paulo: Cosac & Naify, 2005, p. 296-336.















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