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Desafio de malandro


Escrita por Chico Buarque em 1978, a peça teatral “Ópera do malandro” foi montada, no mesmo ano, sob direção de Luiz Antônio Martinez Corrêa, irmão do também diretor José Celso. Inspirada em “Ópera dos Mendigos”, do dramaturgo inglês John Gay (1728) e no musical “Ópera dos três vinténs”, de Bertold Brecht e músicas de Kurt Weill. O texto do século XVIII lançava mão de um linguajar das camadas populares, satirizando as relações promíscuas de corrupção, costumes, e privilégios na sociedade inglesa de então. Dois séculos depois, em 1928, o dramaturgo alemão Bertold Brecht celebra o bicentenário de “Ópera dos mendigos”, ao escrever, em parceria com o compositor Kurt Weill, o musical “Ópera dos três vinténs”, paródia da anterior, com tema semelhante. A história é passada nos cabarés ingleses, e joga luz sobre as relações de corrupção entre gangsteres e a polícia. No repertório do espetáculo, a música Mack the knife, em alusão ao personagem principal, o mais famoso criminoso de Londres, é provavelmente a mais conhecida, tendo sido gravado por Louis Armstrong.


Cinquenta anos depois, chega vez de Chico Buarque resgatar essa narrativa, agora ambientada na velha Lapa da década de 1940. Em 1978, o Brasil ainda vive a repressão da ditadura civil-militar que havia tomado o país de assalto 14 anos antes. Embora já estivesse em pauta um processo gradual de abertura política, ambientar uma narrativa em um outro contexto histórico, também ditatorial, podia ser uma boa estratégia para disfarçar críticas políticas e sociais, denunciando tanto as situações precárias da população, como a política de repressão a discursos divergentes: “Se tu falas muitas/ Palavras sutis/ Se gostas de senhas, sussurros, ardis/ A lei tem ouvidos/ Pra te delatar/Nas pedras do teu próprio lar” diz a primeira estrofe de “Hino de Duran”, personagem do policial, antagonista da narrativa.


O filme de Ruy Guerra, seria produzido e lançado em 1985, logo no primeiro ano de democracia depois de vinte longos anos de ditadura. A peça que se originava de uma conversa entre Guerra e Chico, na década de 1970, agora ganhava as telonas em grande estilo. Trazendo no elenco, grandes atores, rostos conhecidos do cinema e da televisão, como Edson Celulari, Ney Latorraca e o veterano Wilson Grey, Fábio Sabag, Cláudia Ohana e a cantora Elba Ramalho. A trama mirabolante e cheia de reviravoltas dá o tom da narrativa dinâmica em fotografia de pouca luz, que remete ao cinema noir, em voga na época em que se passa a história. O protagonista Max é o personagem principal, que percebe na aproximação do Brasil com os americanos, a oportunidade de negócios financeiramente mais vantajosos do que o ganho miúdo do jogo e da cafetinagem, como o contrabando. Mas entra em atrito com o alemão, dono do cabaret, onde trabalha sua protegida, ao passo que é vigiado de perto pelo policial Duran. A trama se complica com a chegada da filha do alemão, expulsa do colégio interno, que vai mergulhar de cabeça nos esquemas de Max.


Mas como o nossa papo aqui é samba, e o musical passeia por outros gêneros como a valsa, o jazz e o tango, escolhi um momento bem representativo da narrativa para fazer as releituras que apresento aqui. A música é “Desafio de Malandro” na melhor tradição do samba sincopado, terreno onde Geraldo Pereira reinava, sucesso dos anos 1940.

O contexto é uma disputa entre o Max Overseas, o malandro novo e sedutor, em plena atividade, que tira proveito da política de boa vizinhança para expandir suas fontes de renda com o contrabando, e Sátiro Bilhar (o nome parece ser homenagem a um malandro que realmente existiu em uma Lapa mais remota do que a da narrativa), malandro veterano e tradicional, que privilegia o samba e as coisas do Brasil, e concentra seus ganhos nas velhas práticas do jogo e da prostituição. Ruy Guerra reforça a disputa, levando a cena para a mesa de sinuca. A letra, por sua vez, tem sacadas geniais, onde cada estrofe é cantada por um oponente, começando e terminado com a palavra “você”, de modo que um joga a deixa para o outro.

Segue após as ilustrações, a letra e o link para a cena específica, para o filme na íntegra e para a trilha sonora no Spotify.


Sátiro - Você tá pensando que é da alta sociedade

Ou vai montar exposição de souvenir de gringo

Ou foi fazer a fé no bingo em chá de caridade

Eu não sei não , eu não sei não

Só sei que você vem com five o'clock, very well, my friend

A curriola leva um choque, nego não entende

E deita e rola e sai comentando

Que grande malandro é você


Max- Você tá fazendo piada ou vai querer que eu chore

A sua estampa eu já conheço do museu do império

Ou mausoléu de cemitério, ou feira de folclore

Eu não sei não, eu não sei não

Só sei que você vem com reco-reco, berimbau, farofa

A curriola tem um treco, nego faz galhofa

E deita e rola e sai comentando

Que grande malandro é você


Sátiro - Você que era um sujeito tipo jovial

Agora até mudou de nome


Max - Você infelizmente continua igual

Fala bonito e passa fome


Sátiro - Vai ver que ainda vai virar trabalhador

Que horror


Max- Trabalho a minha nega e morro de calor


Sátiro - Falta malandro se casar e ser avô


Max - Você não sabe nem o que é o amor Malandro infeliz


Sátiro - Amor igual ao seu, malandro tem quarenta e não diz


Max - Respeite uma mulher que é boa e me sustenta


Sátiro - Ela já foi aposentada


Max - Ela me alisa e me alimenta


Sátiro - A bolsa dela tá furada


Max - E a sua mãe tá na rua


Sátiro - Se você nunca teve mãe, eu não posso falar da sua


Max - Eu não vou sujar a navalha nem sair no tapa


Sátiro - É mais sutil sumir da Lapa


Max - Eu não jogo a toalha


Sátiro - Onde é que acaba essa batalha?


Max- Em fundo de caçapa


Sátiro- Eu não sei não, eu não sei não


Juntos - Só sei que você perde a compostura quando eu pego o taco

A curriola não segura, nego coça o saco

E deita e rola e sai comentando que grande malandro é você


Link para a cena:



 
 
 

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