Casa de Marimbondo - Parte 1
- Roberta De Freitas
- 13 de abr. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 17 de abr.
Histórias políticas do samba.
“Meu samba é Casa de Marimbondo
Tem sempre enxame pra quem mexer
Não sabe com quem está falando
Nem quer saber, nem quer saber, nem quer saber”
João Bosco e Aldir Blanc

“Tinha que meter política no meio?” De uns tempos para cá, vem crescendo um discurso de repúdio ao debate político, como se o tema fosse maldito. Transformaram “política” em palavrão. A “demonização da política” sempre presente no senso comum, que consolidou máximas como “político é tudo igual”. Mas qual o sentido em se demonizar a “política” como se a palavra fosse, de fato, sinônimo de corrupção? Na internet encontra-se fácil uma explicação etimológica da palavra: derivado do grego antigo πολιτεία (politeía), indicava todos os procedimentos relativos à Pólis, ou cidade-Estado grega. Por extensão, representa também uma determinada sociedade, comunidade ou qualquer coletividade reconhecida. Se a política diz respeito ao conjunto de práticas e negócios de estado, e à forma de condução administrativa da coisa pública, ela não, em si, nem boa, nem má.
E se não há sentido nenhum em se demonizar a política, ou o debate político, faz menos sentido ainda se incomodar com conotações políticas no samba. Quem conhece por alto algumas das inúmeras e maravilhosas narrativas que constituem a história do samba, certamente já ouviu falar que o samba surgiu em redutos de resistência contra um Estado que reprimia violentamente as manifestações culturais, artísticas e religiosas de raízes africanas. O famoso episódio do confisco do pandeiro de João da Bahiana, numa batida policial, quando ia se apresentar na casa de Prudente de Moraes Neto, político, intelectual, editor, grande entusiasta da música popular. Prudente presenteou o sambista com novo pandeiro, desta vez autografado, que se tornou um alvará para facilitar sua liberação em futuras “operações policiais”. As casas das tias baianas, no entorno da Cidade Nova, desempenhavam um papel fundamental para a manutenção de suas diversas práticas e expressões afro-brasileiras, além de apoio e acolhimento a perseguidos e desamparados. Dentre essas, a que se tornou mais conhecida foi Tia Ciata, a quem a polícia só deu sossego depois que ela foi convidada ao Palácio do catete, para tratar um eczema na perna do presidente Venceslau Brás. Em agradecimento, o presidente nomeou o marido de Ciata escrivão da polícia.
Me parece clara a evidência de que em momentos que o samba é proibido, ser negro e portar um violão, pode ser interpretado como ato político. Uma roda de samba se torna um ato político, já que proibido. Isso durou durante a Primeira República. No final da década de 1920, um samba urbano gestado entre compositores do Estácio logo cairia no gosto de toda a cidade, faria um sucesso ainda maior do que o samba amaxixado, como era o “Pelo telefone”...lembrado até hoje como o “primeiro samba gravado e registrado na Biblioteca Nacional com a denominação “samba”, em 1916. Pelo Telefone, que aliás, também tinha referência política. Quando um delegado ordenou que se enviassem circulares aos locais onde havia jogo clandestino, antes de uma batida, o jornal A Noite mandou montar uma roleta em pleno Largo da Carioca, para fazer uma reportagem provocativa. Vem daí os versos do refrão: O chefe da polícia, pelo telefone, manda me avisar, que na Carioca tem uma roleta para se jogar
No momento em que governo Vargas passa a adotar o samba como símbolo nacional, o uso político é evidente, na medida em que foi se firmando como principal produto cultural de exportação, contribuindo para exaltar uma falaciosa democracia racial. Por outro lado, ganha evidência a figura ambígua do malandro, como estereótipo do brasileiro. Por mais que a esperteza e as habilidades artísticas e corporais (música, dança, capoeira, futebol) atribuídas ao personagem, pudessem conferir um caráter sedutor, o aspecto negativo da “vagabundagem”, da malícia, dos meios ilícitos para se ganhar dinheiro era inconciliável com a exaltação ao trabalho, um dos pilares dos projetos e da publicidade varguista.
É nesse embalo que em 34, o jovem campista Wilson Batista, recém chegado ao Rio de Janeiro, grava uma composição sua, que exaltava explicitamente a malandragem: “Meu chapéu de lado/Tamanco arrastando/Lenço no pescoço/ navalha no bolso/ Eu passo gingando/ Provoco e desafio/ Eu tenho orgulho em ser vadio”; merecendo, então, bem-humorada resposta de Noel Rosa, que em tom de deboche, alerta o colega sobre os riscos da ostentação: “Joga fora esta navalha, que te atrapalha/ de chapéu de lado, deste rata/ Da polícia quero que escapes...”. Foi o início da famosa polêmica, que rendeu muita música antológica da história do samba. Anos depois, Wilson Batista teve que alterar os versos de outro samba, em que exaltava – com ironia – a vida do trabalhador, na perspectiva do malandro regenerado que percebera, enfim, que “a malandragem não dava camisa a ninguém”. A ironia era apontada por uma única palavra...“O bonde São Januário/ Vai levar mais um otário/ sou eu que vou trabalhar”, com a interferência do Departamento de Imprensa e Propaganda, virou “O bonde São Januário/ Leva mais um operário/ Sou eu que vou trabalhar.” Noel Rosa, por sua vez, também tem flerta com a política em alguns de seus sambas mais famosos como “Com que Roupa?”, falando do Brasil de tanga e trabalhando a melodia numa variação do hino nacional. Ou ainda, em “Quem dá mais?”, onde o leiloeiro, que é também brasileiro, vende as nossas riquezas culturais. E menos conhecida “Onde está a honestidade?” é uma crítica política até mais explícita. E são tantas as conotações polítcas na história do samba, que foi preciso dividir em dois. Aguardem, então, a segunda parte deste texto, as referências políticas vão se expandir ainda mais, ganhar novas dimensões, e enfrentar a repressão de peito aberto e punho cerrado. Vamos falar de grandes espetáculos e movimentos culturais como o Zicartola, o Opinião, A Noitada de Samba, o Clube do Samba, de João Bosco, Aldir Blanc, Chico Buarque e o Samba do Trabalhador.







