Na roda de samba: Samba da Ouvidor
- Roberta De Freitas
- 14 de set. de 2022
- 4 min de leitura












Foi por volta de 2009. Um dia eu peguei o Rio Show, que era um caderno de programação cultural do jornal O Globo, e me deparei com uma foto de uma roda de samba no Centro Histórico do Rio, que me chamou a atenção. A batucada acontecia aos sábados de tarde, quinzenalmente, na Rua do Ouvidor, no trecho entre a Primeiro de Março e a Rua dos Mercadores, próximo à carioquíssima Livraria Folha Seca, do meu bom amigo Rodrigo Ferrai, para muitos, o Digão. Anos mais tarde ia descobrir que ele tinha muito mais a ver com aquele samba do que eu imaginava. Foi por iniciativa dele que as rodas de samba começaram a acontecer ali. Ele mobilizou outros comerciantes da rua para bancar a produção.
Naquela época, eu fazia uma pós-graduação em ilustração e dava aula de desenho de observação para turmas de arquitetura da UFRJ, e as aulas externas da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) me motivaram a começar a levar para a rua, uma pequena bolsa com estojo e caderno. Quando vi aquela reportagem com as fotos da roda e o rico cenário histórico do Centro, bateu aquela sede de ir fazer uns registros. Ao chegar no primeiro dia, a impressão é que seria muito mais difícil do que eu imaginava. Havia uma grande aglomeração de gente ao redor da roda, e não parecia que seria tão fácil assim me aproximar. Fui me inserindo, e chegando mais perto. Cada vez que alguém saía, eu conseguia dar um passo à frente. Enquanto isso, ia desenhando com os olhos, flagrando detalhes, percebendo o clima e observando os movimentos dos músicos e do público, o cenário, a mesa do grupo, repleta de garrafas, copos, instrumentos e partituras. Quando, enfim, cheguei na linha de frente do público, em pé, em volta da roda, ainda fiquei um bom tempo sem tirar o caderno da bolsa. Desenhava com os olhos. Imaginava as linhas a traçar, buscava os enquadramentos mais interessantes. Estava ainda meio espremido, mas percebi que conseguiria segurar o caderno à minha frente sem ocupar mais espaço para os lados. Quando saquei o caderno da bolsa, apoiei sobre o braço esquerdo na frente do peito, e comecei a rabiscar, percebi que aos poucos, eu observava e era observado ao mesmo tempo. Nada disso, nem a música atrapalhavam a concentração. Ao contrário, traziam certo acolhimento. Eu me sentia fazendo parte daquele espetáculo. Numa só tarde, aos poucos, foram vários croquis, que foram se aperfeiçoando ao longo das horas. Pronto! Ao primeiro "gole", estava viciado. Descobri uma nova cachaça e não parei mais. Depois fui conhecendo alguns dos músicos, principalmente o Gabriel da Muda e meu amigo Junior de Oliveira, neto do Silas.
Depois a roda mudou para a esquina com a Rua do Mercado, em frente à Bolsa de Valores. Mais interessado na conotação histórica daquela experiência, acabei por nunca desenhar o prédio mais contemporâneo da Bolsa. Buscava sempre me posicionar de frente para o casario centenário que abrigavam os restaurantes e botequins no lado oposto da calçada, nas duas ruas. Numa delas, aparece o elevado da Perimetral, que seria derrubado no bojo das reformas para as Olimpíadas de 2016. Com o passar do tempo, comecei a visar uma futura publicação e passei a escolher alguns desenhos para fazer em aquarela. Dali, comecei a frequentar outras rodas, em diferentes pontos da cidade e fui a muitos diferentes lugares, que darão novas postagens aqui. Nunca contei os desenhos, nem tenho mais todos os que fiz, mas calculo que deve girar em torno de centenas de croquis. A Roda do Samba de Ouvidor, conhecida por esse nome, que mais atingiu sucesso e um público cativo, até onde eu sei, não existe mais. Aliás, segundo o Digão, da Folha Seca, no início, se chamavam "Malandros Maneiros", em homenagem ao samba homônimo de Nei Lopes, sobre os apontadores do jogo do bicho Talvez voltem um dia. Mas ela não foi a primeira nem a última roda de samba da Rua do Ouvidor. Sempre houve e continua havendo outras rodas que se apresentavam neste trecho que vai da Primeiro de Março à Rua do Mercado e se você ficar sabendo de alguma, não hesite. É uma experiência imperdível.
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